Parece muito difícil imaginar um mundo virtual sem Facebook justo
nos dias em que a rede anunciou que
1 bilhão de pessoas (quase metade da população da internet, que chega a 2,3
bilhões de pessoas, segundo o Banco Mundial) estão frequentando o site.
Tão difícil que um grupo de
brasileiros acaba de criar o 100face.com.br,
projeto cujo objetivo é simples: narrar como é ficar cem dias sem a rede. São
cem usuários no total, ou 0,00001% do público do Facebook.
Cada janela sem foto traz um depoimento sobre como tem sido o
autoexílio do Facebook. Difícil para vários, desencanado para outros. Alguns
não aguentaram a pressão virtual: tiveram recaídas, deram uma
"olhadinha" ou retornaram ao site. Tudo meticulosamente narrado por
eles próprios.
A Folha achou usuários que se dispuseram a
sair da rede social no período, que vai até o dia 1º de janeiro de 2013.
"Não demorou muito pra eu ficar desatualizado, levou só uma semana",
diz o usuário Thiago Ricieri.
"A conversa que acontece
no mundo off-line continua no on-line que, por sua vez, dá conteúdo para o
off-line. Mas essa 'transvida' não me pertence mais, pelo menos até ano que vem",
declara.
"Com o Facebook,
consumimos tanta informação, e de qualquer tipo, que não temos tempo de ter
opinião, de formar opinião. O nosso feed se atualiza automaticamente, às vezes
não dá tempo de você terminar de ler um post que seu amigo postou sobre algo
que você se interessa porque já tem mais gente postando informação. E você
precisa ver, querendo ou não, já que a atualização do seu feed é
automática", reflete a internauta Carol Caixeta no site. "E aí me
pergunto: temos um 1 bilhão de pessoas sem opinião? Não estou querendo
generalizar, é apenas uma linha de raciocínio!", exclama.
Outros narram os deslizes
cometidos no exílio --rastros deixados no processo de abandono do site.
"Esqueci de desativar o plugin de notificações do navegador que, em um dia
apenas sem entrar, já me mostra 19 notificações. Abri? Não, mas a vontade
estava INSUPORTÁVEL", escreve o usuário identificado como Talisson Zune.
"Logo agora, que acabo de
entrar na faculdade e existe um grupo pra turma desse semestre se comunicar com
relação a trabalhos ou a dúvidas. Também estou numa campanha pra gente tentar
trazer uma banda pra tocar aqui --a gente precisa convidar os amigos pra
confirmar presença [no Facebook] e aumentar a possibilidade de a banda
vir", lamenta.
O CRIADOR E A CRIATURA
No 15º dia sem Facebook até a
publicação da reportagem, os usuários continuam narrando as suas experiências,
dúvidas e temores. Um laboratório social do qual o criador Felipe Teo, 25,
espera tirar algum conhecimento relacionado à cultura digital, dentro dos nove
posts diários dos cem usuários que o 100face recebe, em média.
"Muita gente se irritou.
Viver sem Facebook, imagina. Quando a gente tira algo importante da vida
on-line das pessoas, a pergunta é: do que você depende para ser feliz?",
questiona Teo, consultor de marketing digital e idealizador do projeto.
"Cada uma das pessoas
obviamente dependia do Facebook. O que há dentro dele que faz a gente depender
dele?", continua. As respostas, de acordo com ele (que também se exilou do
site para compor o público do 100face), são variadas: desde gente que queria
mais tempo para se dedicar à leitura até aqueles que precisam curar a dor de
cotovelo (ou seja, parar de ver as atualizações do ex ou da ex).
Mesmo com as
"inscrições" encerradas --elas foram feitas por ordem de chegada, via
e-mail--, as pessoas não param de procurar o 100face, segundo ele.
"O que era uma pesquisa
acabou virando suporte on-line", indica Teo. "São pessoas tentando
coletivamente vencer a dependência --elas mesmas mencionam a relação com o
Facebook como uma droga; quando se retira tem abstinência, é um problema
enorme", afirma.
Na visão dele, isso ocorre
porque o Facebook é o primeiro unificador da humanidade. "É uma mente
coletiva. A internet entregou a possibilidade de todos estarem conectados. O
Facebook dá para a gente o poder dessa união de múltiplas culturas em uma única
plataforma", reflete.
"Tenho um olhar muito
passional sobre o relato das pessoas [no 100face]. Eu consigo entender a parte
de acordar na sexta-feira e imaginar qual amigo vai se lembrar de me chamar pra
sair. É uma insegurança por estar desconectado do Facebook e, por consequência,
da vida social", finaliza.
Por: Marina Lang - Folha de S. Paulo